CARTA AOS ALAGOANOS
“...no país em que estamos, mentir
virou profissão, como alfaiate tabelião político ou ladrão.
E os que estão de cima mentem, como se
estivessem todos, cumprindo uma grande missão.
A respeito do nordeste, nunca vi tanta
mentira, no rádio e televisão.
Metem quando das enchentes, mentem
contando os anjinhos que morrem de caganeira...
Mentem quando Santa Bárbara faz chover
pelo sertão, e mentem quando a estiagem, estorrica todo o chão.
Esperar que os grandes abram a boca
para a verdade, é um trabalho perdido, como colher água em cesto, ou com
cabresto de boi, querer frear um cavalo, ou querer que Cristo nasça, antes da
missa do galo.
...TODOS NÓS MENTIMOS...DIANTE DO
SANGUE, POR NÓS DERRAMADO, DIANTE DO GRITO, POR NÓS SUFOCADO, TODOS NÓS
MENTIMOS QUANDO NOS CALAMOS, E FINGIMOS SER, CEGOS SURDOS MUDOS, QUANDO
CAMINHAMOS, NAS RUAS DO MUNDO.
...A
MENTIRA MORA NA HISTÓRIA ESCRITA, DE QUALQUER CARTILHA, QUE ENSINA O MENINO A
SER MENTIROSO, DESDE PEQUENININHO.
QUE
ENSINA O GAROTO, A CRESCER COM MEDO DE ABRIR A BOCA.
QUE
ENSINA O SILÊNCIO EM LUGAR DO GRITO, ACONSELHA O RECUO EM LUGAR DO AVANÇO,
GARANTE QUE O COVARDE É MELHOR QUE O BRAVO, EM VEZ DO TRABALHO, QUE TRANSFORMA
O MUNDO, ENSINA AO MENINO O ETERNO DESCANSO, E O ETERNO CONCHAVO.
QUE, EM VEZ DA LUTA, ENSINA A
RENDIÇÃO, E NADA ENSINA, sobre a nudez e a espada, o fogo no quartel, o gibão
do guerreiro, o tributo do açúcar, e a peste que desdenta a fome da gentalha...?
Quisera eu saber, que parte do mundo, é
o meu domínio, além desta minha paciência bovina.
...O povo tem nome de homem e mulher?
Na palavra povo, entra todo mundo, ou só quem não entra, ou entra quem quer?
Tem número certo, ou é mais ou é menos?
QUEM BEBE CHAMPANHA, IGUAL A QUEM PUXA
A ÁGUA DO POÇO, TEM SEDE DE JUSTIÇA E BEBE PELO POVO? QUEM SÓ VÊ NO MURO,
TIJOLO E CALIÇA, OLHA PELO POVO?
QUEM SÓ CRÊ EM DEUS, QUANDO VAI À
MISSA, REZA PELO POVO? QUEM ACHA QUE O ESCURO, É A LUZ DO FUTURO, ILUMINA O
POVO?
POETA DE LIVRO, QUE DIZ E NÃO PROVA, E
VIVE ESPALHANDO, QUE É SUA E NOVA A VELHA TROVA, É POETA DO POVO OU BÔBO DA
CORTE?
DUAS COISAS EM ALAGOAS NÃO MUDAM
JAMAIS, A MISÉRIA DO POVO E O VENTO DO MAR.
AMBOS
SOPRAM SEMPRE, NO OUVIDO E NA VISTA, DO GOVERNO MOUCO, E DO CEGO TURISTA.”
Autor: Lêdo Ivo (poeta e escritor
alagoano)
Livro: Poesias Calabar
Alagoas, 01 de junho de 2013
Sindprev Major Izidoro